Troy McClure e JD Vance entram num bar
Tem aquele episódio de “The Simpsons”, “Um Peixe Chamado Selma”, em que Troy McClure, um ator decadente com uma filmografia tão extensa quanto questionável, lida com os rumores de que tem fetiche em peixes (as in zoofilia mesmo, tal e coisa). Ao longo do episódio, assistimos a um monte de piadas que mencionam esse negócio, é um barato.
A última das eleições nos EUA é que os Democratas começaram a espalhar o boato (mentiroso, mas factível) de que JD Vance já transou com um sofá. A piada surge num momento em que a grande ofensa política no país consiste em chamar os Republicanos de “esquisitões”.
O que, convenhamos, é um pouco a Escola de Retórica Quinta Série B mostrando a que veio, mas, ao mesmo tempo, uma justiça poética em cima do lombo de trumpistas. JD Vance é o Troy McClure deles. Amém.
H.L. Mencken escrevia sobre o aspecto circense da democracia norte-americana, mas vivemos em tempos que o deixariam com o cabelo repartidinho em pé.
Na edição de hoje, Gabriel fala de um doc sobre Thelonious Monk, e João Luís oferece algumas propostas de episódios de Seinfeld passados na zona sul carioca. Além disso, temos a nossa tradicional pororoca de links e recomendações. Se por um acaso você gostar, considere sim contribuir com uma assinatura paga e seus suados caraminguás, meu robber baron.
“A gente pode apagar essa parte”
Gabriel Trigueiro
Assisti esses dias a “Rewind & Play”, o documentário franco-alemão dirigido por Alain Gomis, ele franco-senegalês, sobre uma entrevista que Thelonious Monk deu para a TV francesa, após sua turnê europeia no final da década de 1960. Sim, espiritualmente sou um daqueles filhos da puta de tote bag da Mubi. Mas antes, um pouco de contexto.
A ideia inicial de Gomis era dirigir um filme ficcional sobre Monk, mas durante sua extensa pesquisa, ainda na etapa de pré-produção, teve acesso a “Jazz Portrait: Thelonious Monk”, um documentário/entrevista feito para a TV francesa, filmado em 1969, mas que foi ao ar somente em 1970.
O entrevistador é Henri Renaud, um pianista de jazz francês cultuado que, em algum momento da vida, parou de tocar e se tornou executivo de gravadora. O momento histórico: é uma entrevista que ocorre quase seis anos após Monk ganhar uma capa da Time, com a chamada “Jazz: Bebop and Beyond”, e um ano antes de sua decisão de se aposentar.
Então, no fim das contas, “Rewind & Play” é um documentário sobre esse documentário francês. Ocorre que o material que foi parar nas mãos de Gomis, aquele que não foi ao ar na montagem final do doc original, é muito mais interessante e revelador do que o filme de 1970.
Para se ter uma ideia, durante os 30 minutos de “Jazz Portrait: Thelonious Monk”, Thelonious Monk fala apenas 8 palavras. A partir da investigação de Gomis, em “Rewind & Play”, entendemos o porquê.
Acontece que Henri Renaud não gosta das respostas que Monk dá às suas perguntas: especificamente sobre seu entrevistado não ter sido compreendido pela audiência francesa, durante a década de 1950, por ser “excessivamente avant-garde” e sobre o papel de sua esposa, Nellie, em sua vida.
As respostas de Monk são editadas, fraturadas e mesmo apagadas na montagem final. Logo percebemos uma dinâmica voyeurística, racialmente problemática, e culturalmente fetichista entre Henri Renaud e Thelonious.
“Rewind & Play” é um revisionismo histórico eficaz e complexo de “Jazz Portrait: Thelonious Monk”. Como argumenta Robin Kelley, biógrafo de Monk:
“Rewind & Play é, a um só tempo, um estudo sobre uma dialética de representação e poder, racismo e resistência, e uma contranarrativa para todos os contos românticos do mito do bom selvagem talentoso e criativo e do caráter supostamente igualitário do mundo do jazz, no qual raça seria um dado irrelevante. Gomis não apenas expõe o que o primeiro documentário optou por ignorar e falsificar, mas recorre ao mesmo material para encontrar e reconstruir a voz de Monk e criar um “retrato” radicalmente diferente do homem e do músico.
O convite para gravar o programa para a TV francesa, no final dos anos 1960, foi oportuno. A saúde de Monk estava em estado precário e internações hospitalares frequentes atrapalhavam alguns de seus contratos e turnês, o que gerou um efeito bola de neve e um aumento, cada vez maior, de suas dívidas com a Columbia Records.
Além disso, havia a pressão de seus executivos para que se adaptasse a um mercado musical no qual ocorria a ascensão incontrolável do rock and roll. O rock foi para o jazz, durante a década de 1960, o que os filmes da Marvel são hoje para o cinema adulto: um processo forçado de infantilização pasteurizada, de cima para baixo. Você pode até gostar de Mcdonald's, mas uma dieta baseada 100% em Mcdonald's não tem valor nutricional algum, e ainda por cima vai te matar mais cedo. O disco “Monk’s Blues” foi gravado nesse contexto, aliás: um álbum com elementos de R&B e rock, arranjado por Oliver Nelson, mas que acabou se tornando um fracasso comercial e de crítica.
Voltando a uma das perguntas feitas por Henri Renaud, em que ele sugere que Monk foi incompreendido pelo público francês, por ser “excessivamente avant-garde”, o americano recorda que apesar de ter ganhado uma capa da Time, e de ter ido tocar com status de headliner em um festival europeu, ainda assim não obteve qualquer estrutura de acompanhamento musical e, além disso, foi também o menor cachê entre os artistas do festival. Paulinho da Viola no réveillon de Copacabana all over again.
Quando escuta isso, Henri Renaud vira para Bernard Lion, o outro produtor de “Jazz Portrait: Thelonious Monk”, e dispara: “A gente pode apagar essa parte”.
Ah, e antes que eu me esqueça!
Gabriel Trigueiro
Este texto da Miranda July, sobre “Embrigado de Amor”.
Atualmente morando nesta antologia de artigos sobre cinema do Caetano Veloso, organizada pelo Cláudio Leal e o Rodrigo Sombra.
Vanessa Friedman, que escreve sobre moda no NYT, fala um pouco sobre a trajetória do boné no mundo fashion.
Esses dias lembrei desse disco aqui. E lá se vão 12 anos. Continua brabo d+, a propósito.
Meu amigo Rodrigo Levino, que sabe de tudo e mais um pouco, te ensina a fazer um baião de dois.
Isso aqui tá bem crocante. É Bruce Timm, é estética pulp, é ref aos Fleischer Studios, aos filmes clássicos de horror da Universal (Boris Karloff, Lon Chaney Sr. etc) e a tudo que há de mais lindo nessa vida.
Este texto aqui, do Jason Diamond, sobre a dificuldade dos homens em ler ficção é muito, muito bom.
Se você foi capturado pelo hype do Adidas Samba, talvez seja legal assistir a esse vídeo antes de comprar o seu. Aliás, esse canal do Drew Joiner sobre moda masculina é todo bem excelente.
Toma o Woody Allen lutando boxe com um canguru, apenas porque sim.
Algumas sinopses para um reboot da série Seinfeld gravado na zona sul do Rio de Janeiro
João Luis Jr.
George finge um sotaque paraibano para conseguir desconto em um restaurante da Feira de São Cristóvão, mas no dia seguinte descobre que o dono do estabelecimento malha na mesma Smarfit que ele. Elaine quebra uma garrafa de vinho caríssima numa festa na casa do Ed Motta. Jerry precisa renovar sua carteira de motorista no DETRAN do Largo do Machado e Kramer vai com ele para atuar como despachante.
Jerry acredita ter sido convidado para um encontro mas na verdade era uma “night run” no Aterro do Flamengo. Uma pessoa flagra George apenas fingindo que está colocando dinheiro no chapéu ao fim da roda de samba. Elaine acredita que um integrante da Porta dos Fundos roubou uma piada que ela fez numa festa. Kramer decide quebrar o monopólio do bondinho do Pão de Açúcar e cria seu próprio bonde.
Elaine descobre que o namorado dela que tem uma "empresa de segurança" na verdade é um miliciano. Kramer organiza um abaixo assinado pela independência da Barra da Tijuca. George vai encontrar com Jerry para apresentar um projeto de programa ao canal Multishow, não segura o elevador para uma pessoa no hall, essa pessoa é Fábio Porchat, que jura vingança.
Uma mulher cancela com Jerry alegando emergência familiar mas aparece no fundo do story de uma amiga em comum sambando na Pedra do Sal. George e Elaine se recusam a pagar para ir num rooftop alegando que aquilo é “apenas o teto de um prédio”. Kramer tenta se passar por Eduardo Paes pra não pagar por uma feijoada.
[Episódio especial de carnaval] George finge tocar percussão pra impressionar uma mulher. Elaine fica indignada porque uma colega de trabalho não quer revelar pra ela o horário e local de um bloco secreto. Jerry e Kramer ficam presos no trânsito durante o carnaval ao tentar buscar os pais de Jerry.
Jerry se incomoda porque um vendedor de amendoim continua deixando amostras grátis mesmo após ele dizer que não vai comprar nada. Elaine tem um encontro com Marcelo Freixo. Kramer começa a abordar pessoas que não são atendidas em restaurantes e cobrar gorjetas para chamar o garçom pra elas. George se torna gestor da SAF do Vasco
Elaine quer terminar com o namorado porque ele ficou obcecado por beach tennis, mas Jerry tenta impedir porque está interessado na mulher que é parceira do namorado de Elaine num torneio de duplas. O pai de George se candidata a vereador pelo PL e quer que ele ajude na campanha. Kramer funda uma torcida organizada do Fluminense.
George tenta se tornar amigo de Casemiro para poder se sustentar comentando vídeos na Cazé TV. Um antigo set de piadas de Jerry sobre São Paulo acaba viralizando na véspera de seu encontro com uma paulista. Elaine acredita ter dado match com Gabigol no Bumble mas é apenas um sósia.
Kramer diz para o pai de Jerry que consegue desbloquear a bicicleta elétrica dele pra que ela faça 90 km/h. Por um erro da produção Jerry tira o chapéu para "violência" quando vai ao programa Raul Gil. George finge ter uma banca de jogo do bicho pra impressionar uma mulher e acaba envolvido em uma disputa por território. Elaine quer companhia pra um evento no Recreio mas ninguém quer ir com ela porque é muito longe.
Um dia frio, um bom lugar pra ver uns links
João Luis Jr.
Andei pensando muito no desenho Shrek – não, não irei elaborar – e isso me levou a dois textos bem interessantes. Um é uma história oral da animação em si, indo desde as origens até os desafios do desenho, passando por um trecho incrível sobre como o animador que propôs a cena do Homem-Biscoito sendo interrogado fez isso com uma voz tão engraçada que ele acabou se tornando o dublador do personagem, e chegando até a escolha das músicas e tudo mais. E obviamente a parte sobre a música me levou a uma história oral de “All Star”, contada pela banda Smash Mouth, com direito a empresários e produtores comentando o impacto da música nas suas carreiras. Check yourself before you shrek yourself, como dizem os jovens.
Também bem legal esse artigo sobre como personagens ficcionais residentes na Roma antiga passaram a ser representados com sotaque britânico e quais seriam as origens desse fenômeno – uma discussão nascida dos papos de que era absurdo o personagem do Denzel Washington em “Gladiador 2” ter um sotaque americano como se, sei lá, Calígula falasse que nem o John Oliver (que, se vivesse naquela época, não falaria como o John Oliver, porque o sotaque bretão ainda não era como o atual e etc)
Desde que descobri que o artista Akon tinha criado uma criptomoeda chamada “akoin” e iria construir uma espécie de Wakanda da vida real chamada “Akon City” venho acompanhando o desenrolar dessa trama e aparentemente as coisas não andam bem. Mas “akoin”, o dinheiro virtual do Akon, segue sendo o único dinheiro de internet que eu compraria sim.
No campo da quebra de monopólios – meus interesses são sim confusos e variados – o Google sofreu um belo golpe na questão do seu buscador já vir como default em diversos aparelhos e navegadores e como isso basicamente impede uma competição equilibrada com seus concorrentes. Já falei dessa newsletter “Big” mas recomendo de novo porque ajuda demais a entender o estágio do capitalismo em que nós chegamos. (e ele é o estágio “fim de churrasco”, em que o capitalismo ficou doidão, faz o que quer sem medir consequência alguma, derrubou sua avó na piscina e agrediu seus primos pequenos).
Terminei a primeira temporada de “Miracle Workers”, a série onde Daniel Radcliffe trabalha no céu e Steve Buscemi faz o papel de um Deus que não consegue abrir o próprio pacote de cereal e é uma comédia bem gostosinha, recomendo com segurança e tranquilidade.
Por fim, essa semana lancei mais uma edição da minha newsletter sobre gibis, onde abordo as consequências boas e ruins dos principais super-heróis serem propriedades corporativas e não posse de seus criadores, indo desde a magia da criação coletiva até o fato de que mesmo roteiristas e artistas de muito sucesso acabam não recebendo reconhecimento simbólico e financeiro. Dá aquela lida se tiver um tempinho, sem pressão, só se você estiver de boa mesmo
Alô, Gabriel, pode me passar seu e-mail, por favor? Quero enviar um livro para você