Nada de Errado Nisso #11
Beijinhos de Maya Massafera
Como diria Daniel Johnston: “Hi, How Are You?”. Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo: o que é meio que o modus operandi da vida, desde que o mundo é mundo, né, mas abafa.
A última temporada de “Casamento às Cegas” (se não és highbrow, you can’t sit with us) encantou nossa redação e talvez não seja exagero afirmar que esta série é sim a “Família Soprano” dos reality ruins. E aqui usamos “reality ruins” com açúcar e com afeto. Da mesma forma que George Orwell, roubando o termo de G.K. Chesterton, uma vez defendeu a existência de “bons livros ruins”.
Além de grande TV, “Casamento às Cegas” é uma série que funciona tão bem porque pode, e talvez deva, ser lida como uma parábola sobre os caminhos e descaminhos do amor. Não, sério.
Quer dizer, se você é capaz de colocar um pouco de lado o cinismo e a ironia, em outras palavras, a sua sensibilidade pós-moderna, você entende que o amor não é um negócio cartesiano e que ele pode sim caminhar certo por linhas tortas. Ou, para voltar no nosso amigo Daniel Johnston, “True Love Will Find You in the End”.
Na edição de hoje Gabriel escreve sobre Biden e os Democratas e João Luís obviamente fala sobre Casamento às Cegas, porque não dava pra ficar só no abre. Além disso, temos dicas, dicas e mais dicas.
Se a “Nada de Errado Nisso” te faz sorrir, chorar, ou até quem sabe pensar, cogite um plano de assinatura pago. Ninguém aqui é entusiasta do capitalismo não, mas é o que tem pra hoje.
Beijinhos de Maya Massafera.
This is the way the world ends / Not with a bang but com um “ih, o véio dançou”
Gabriel Trigueiro
Tudo é narrativa. Tudo é, cof cof, storytelling. Hoje não importa tanto a realidade fática das coisas, mas apenas se há gente o suficiente acreditando naquilo que é dito.
Parte da esquerda passou décadas se lambuzando de afirmações como “a realidade é uma construção social” e demais conversinhas feitas para boi dormir, até que radicais de direita se apropriaram desse negócio e, bum!, não existe mais o real.
Agora tudo é “disputa de narrativa” e qualquer afirmação com base científica, ou um pouco mais categórica, é passível de ser desqualificada como mera “percepção subjetiva”. Agora corta para as eleições nos EUA.
Sempre me irritou o argumento de que Joe Biden era velho demais para concorrer à reeleição. Porque, veja, é claro que o bicho é velho, mas a diferença de idade entre ele e o Boquinha de Mussolini lá é, até onde recordo, de apenas 3 anos. Pau que dá em Chico, dá em Francisco, não? Bom, deveria.
A verdade é que chamar Biden de velho sempre me pareceu um sound bite criado por marketeiros Republicanos, e o tipo de baboseira repetida ad nauseam por youtubers de direita. O fato é que em determinado momento essa conversa doida pegou tração, e agora não habita mais as franjas do debate público, e sim a corrente sanguínea do mainstream político e cultural nos EUA.
Depois desse debate recente, o fato novo é o desembarque em massa da imprensa liberal da candidatura Biden. O editorial do NYT pedindo a saída do velho já é um documento histórico que, no futuro, deverá ser estudado em perspectiva, longe do ruído das redes sociais e dessa iminência de implosão democrática. Levando isso tudo em consideração, o que é percebido como realidade, realidade é.
Agora, cá entre nós, ainda pior do que esse último debate, e anterior a ele, foi essa entrevista para a New Yorker, do Simon Rosenberg, simplesmente um dos principais estrategistas de campanha do Biden. Cê quer falar em red flag? Aquilo sim foi uma red flag, meu irmãozinho.
Quando confrontado pelo maluco da New Yorker com números, dados empíricos, institutos de pesquisas, enfim, o diabo, a reação do bicho foi uma mistura de miopia, biquinho contrariado, negação e manha de criança mimada.
Lembro que quando li essa entrevista, a encaminhei no mesmo fôlego para um camarada, no zap, seguida da seguinte frase: “juro, bicho, mas que VÁRZEA do caralho”. Sério, se puder separe uns minutinhos do seu dia e dê uma lida nesse conto de horror lovecraftiano e tente não se desesperar.
Agora, francamente, não resta muito mais o que fazer para os Democratas: é desistir da candidatura Biden e preparar uma nova. É fácil? Não é. É garantia de que vai dar certo? Evidentemente que não. Mas levando-se em consideração o cenário atual e as opções disponíveis à mesa, não tem muito para onde correr. Se ficar, o bicho pega. Se correr, etc.
Agora o que me deixa mais impaciente nesse cenário é o fato de que, como tudo o que acontece na política norte-americana acaba chegando aqui com atraso, esse negócio de chamar de velho ainda será usado pela oposição à reeleição de Lula.
Aliás, até aí isso é do jogo. Tudo bem. O problema é que a grande imprensa vai criar as condições ideais de temperatura e pressão, dentro do debate público, para que o que inicialmente é factoide, vire um fato muito real e concreto.
Daí em diante é dois palitos até que, mesmo entre a ala mais progressista da classe intelectual brasileira, comece aquela retórica meio cirista, bem arrombada, que já conhecemos em forma e tom: alguma variação de “os fascistas vão voltar porque Lula é uma liderança arrogante que jamais se dispôs a fazer uma sucessão” etc.
Quer dizer, não é porque os filhos das putas envenenaram o debate público, arrombaram a Janela de Overton e mandaram para a proverbial casa do caralho qualquer intenção de decoro. Não, imagina. O problema, claro, é o Lula que é arrogante e vaidoso.
Ah, e antes que eu me esqueça!
Gabriel Trigueiro
Childish Gambino já é um velho conhecido aqui na seção de dicas. Hoje ele aparece com um single lindo, que meu amigo definiu bem como “uma canção do Blue Album do Weezer, mas feita em 2024 por um rapper”:
O álbum novo do Lupe Fiasco tá aquelas crocância.
Esta entrevista longa e cuidadosa da NPR, com o Questlove, sobre aquela fala recente dele sobre o hip hop estar morto e tal. Tá bonitona, mané.
David Brooks entrevistou o Steve Bannon para o NYT. Tampa o umbigo e vai.
Esta coletânea de crônicas do Ruy Castro, sobre o Tom Jobim, e publicada pela Companhia das Letras, eu comecei a ler achando que seria um troço meio preguiçoso, meio literatura de aeroporto etc, mas a verdade é que é um baita livro. Ruy Castro escreve bem demais, sabemos, e o tanto de informação que ele tem sobre Tom, a bossa nova e o Rio de Janeiro é coisa de doido. Também sabemos disso tudo, OK. Mas, além disso, é um livro com insights originais e pouco óbvios sobre um assunto abordado à exaustão. É uma obra que consegue restaurar o frescor e a modernidade de um dos nossos maiores personagens.
Assisti ao filme das Tartarugas Ninjas do Seth Rogen e é maravilhoso.
Esta entrevistona do Eddie Murphy me emocionou não uma, não duas, mas algumas vezes.
Sobre “Casamento às cegas” e essa leve sensação de que a galera não anda muito legal da ideia
João Luis Jr.
Um nicho de conteúdo audiovisual que sempre achei muito fofo são os vídeos de introdução alimentar, em que crianças pequenininhas e fofinhas estão sendo apresentadas a novos ingredientes e sabores. É o bebezinho provando limão e fazendo careta, é a jornada de descoberta do primeiro morango que a menininha prova, é a experiência quase alucinatória da criancinha que não está acostumada com açúcar, aí recebe um sorvete e entra num estado de descrença e delírio sobre como algo tão incrível poderia existir, todo mundo ter acesso, e ela só estar descobrindo isso agora.
E é mais ou menos assim que eu, que não tinha o costume de assistir a reality shows, venho me sentindo diante da 4ª temporada de “Casamento às cegas”, um programa ao mesmo tempo fascinante e absurdo, que já é exibido tem alguns anos, sobre o qual algumas pessoas já haviam me falado, mas que eu só comecei a acompanhar nas últimas semanas.
Primeiro porque a premissa é ao mesmo tempo idealisticamente romântica e perfeitamente criada para gerar todo tipo de crueldade, já que existe sim algo de bonito no conceito de se apaixonar por quem uma pessoa é e não pelo que ela parece, mas ao mesmo tempo a inviabilidade prática dessa ideia cria os mais variados e traumáticos cenários de rejeição pra quem não se enquadra num determinado padrão estético. Mais ou menos como 90% das pessoas que se dizem sapiossexuais querem apenas uma pessoa bonita que também seja inteligente, muita gente quer se apaixonar pela alma alheia mas só se ela vier num corpinho bem bacana.
Depois pela questão óbvia da intencionalidade, já que entrar num reality show da Netflix onde você vai conversar com um monte de gente através de uma parede e tentar sair de lá já noivo parece uma maneira desnecessariamente complexa de buscar um relacionamento num mundo em que existem apps de paquera, cruzeiros de solteiros e a sua diarista está tentando, desde o seu término, te apresentar alguém da igreja dela, por mais que você tenha explicado que não é o caso. Essas pessoas querem mesmo casar? Essas pessoas querem mesmo se apaixonar? Essas pessoas querem apenas se tornar influencers? É um pouquinho de tudo e mais um tanto de vontade de passar um mês sem trabalhar, lavar louça e arrumar cama?
Mas acima de tudo, o que me pegou em cada um dos 8 episódios de “Casamento às cegas” que eu assisti é uma constante sensação de que boa parte de nós, enquanto pessoas solteiras na casa dos trinta anos, talvez não estejamos numa brisa tão bacana assim não.
Seja o cidadão calvo que acha que a melhor maneira de não chamar atenção pro fato de ser calvo é usar boné em situações que apenas um homem calvo usaria, passando pelo cara que sempre que a parceira faz perguntas práticas sobre a parte financeira responde com “a gente vai se falando”, até chegar na mulher que no começo do programa parecia ter estabelecido elevados padrões pra si mesma mas terminou com um cara que nem os melhores amigos conseguem elogiar – e nem vamos entrar no casal formado por um homem que mente sobre o número de filhos e uma mulher que parece estar sempre a beira de um colapso bilingue – o que você vê são várias pessoas que mal parecem preparadas pra uma ficada sem compromisso, que dirá pra um casamento.
Porque ainda que o programa apresente – e na verdade cause – versões bem mais comprimidas, intensas e extremas das situações que acontecem na vida “real”, ele ainda está, lá no fundo, abordando momentos pelos quais muitos de nós passamos sim um pouquinho e pros quais muitas vezes não estamos tão preparados quanto gostaríamos. O processo ao mesmo tempo divertido e confuso de conhecer alguém novo, com todas as descobertas envolvidas, a reflexão sobre que direção dar pra essa coisa toda e até mesmo a questão prática de entender como essa pessoa se encaixaria na sua vida e você se encaixaria na vida dela.
E claro, acima de tudo, a experiência de sair de uma festa na piscina realizada em São Paulo gritando “fuck you” pra todos os outros convidados logo após descobrir que está com uma pessoa que enrolou 12 anos pra reconhecer um filho. Com certeza essa é uma experiência universal, não tem jeito, happens com todo mundo. It’s la vida.
"Forget it, Jake. It's dicas da semana."
João Luis Jr.
Já mencionei aqui – ou na finada “Conforme Solicitado” – que a “Virapágina”, do Érico Assis é daquelas newsletters que eu até demoro pra conseguir colocar em dia porque antes de ler gosto de colocar uma roupa bonita, às vezes abrir um vinho branco, regular a luz, de tão bom que é o material. E recentemente comecei a ler outra, a “Soc Tum Pow”, do Gustavo Vícola, que algumas semanas atrás postou um texto sobre como a EBAL – antiga editora do Batman no Brasil – tentou usar o futebol para divulgar o personagem e acabou se enrolando toda, que é o tipo de conteúdo que parece ter sido feito especialmente pra alegrar o meu dia. Duas fortes recomendações pra você que é fã de quadrinhos.
Também li um texto sobre clonagem de animais de estimação que debate não apenas a parte técnica da coisa como também as questões éticas envolvidas e o que motiva alguém a clonar um pet que faleceu ao invés de apenas adotar outro pet, por exemplo. Não, eu não tenho pets e não, eu não lembro como fui parar nesse texto, a vida apenas acontece em dados momentos, eu trato a internet menos como uma estrada por onde transito e mais como uma ribanceira por onde desço rolando.
Por fim, o filme em que o Jason Statham é um apicultor acaba de sair na Prime e recomendo não apenas que todos vejam, como que vejam e logo depois ouçam o episódio de “How did this get made” sobre ele, porque é desses filmes que não devem apenas ser vistos, mas sim vistos e debatidos até a exaustão.